sexta-feira, 31 de outubro de 2014
A gente é o que a gente vive.
"Eu não achei que a gente visse nada"
"Oi?"
Foi assim que eu fui acordada dos meus sonhos e devaneios no voo de São Paulo para Brasília, cerca de dez minutos após a decolagem. Era um senhor de meia idade, sentado na poltrona do meio, e sorria para mim enquanto repetia:
- Eu não achei que a gente visse nada. Essa é a primeira vez que eu ando de avião, eu achava que o avião subia, entrava na nuvem e depois descia. E a gente não via nada.
Ele sorria para mim como uma criança, passando os olhos sobre mim, pela janela e disse: Enquanto você dormia eu pude ver, dá pra ver tudo mesmo.
Então eu disse:
- Não tem como o senhor fazer a sua primeira viagem de avião e sentar no meio, venha para a janela, por favor!
- Mas, e a senhora?
- Eu? Eu só uso a janela para dormir, pensar em problemas sem soluções e para chorar, o senhor fará melhor valia da vista.
E então fomos conversando sobre todas as coisas que víamos, e o que não víamos. Falamos sobre o que era montanha, vegetação, água. Como o avião se comporta nas nuvens e na chuva.
- Tá vendo como as plantações são feitas em formas tão simétricas? Isso sempre me encantou. Fica tão redondinho, ou quadradinho. Fosse eu fazendo, saia tudo torto.
Eu disse que voar quando o dia amanhece ou anoitece era lindo demais. E que voar sobre Brasília sob as melhores condições de nuvens e luminosidade dá pra ver até o formato do Plano Piloto.
Ele estava fascinado com a vista e a conversa, e eu seguia igualmente feliz. Até que ele me disse:
- Você já viajou bastante, não é? Você tem muita experiência, e é muito gentil, obrigado.
Eu respondi: De fato já viajei bastante, mas me considero uma pessoa muito observadora. Gosto de prestar atenção nos detalhes do momento que estou vivendo, porque só assim posso me lembrar dele depois, até para poder compartilhar, como agora. Porque, Ivan, o que a gente leva da vida são as experiências que a gente vive. São as coisas que vemos, que ouvimos, que sentimos. É só isso que somos. E não o que os outros pensam que somos, ou falam sobre nós, ou escrevem sobre nós, é o que vivemos, isso é o que somos.
E essa foi a minha epifania sobre o EGO nessa manhã. Não importa o que temos, ou fomos construindo ao redor da nossa imagem, como beleza, dinheiro, roupa, status, emprego. De uma hora para outra tudo isso acaba. O que levamos de fato é o que vivemos. Isso ninguém nos tira, tendo a experiência sido boa, triste ou espetacular. E é isso também que deixamos na vida das pessoas, essa marca.
É mais fácil ele se lembrar de mim como a moça que lhe cedeu o lugar e foi apaixonadamente falante elaborando sobre os céus e de que como as nuvens podiam se parecer com o paraíso a ponto de você ter a impressão que poderia andar sobre elas, do que como a ruiva de boca vermelha que estava minutos antes usando a janela para dormir ou chorar sobre algo sem sentido, não se sabe, mas não para seu objetivo maior.
Vai com Deus no seu próximo voo, Ivan de Ipubi de Pernambuco, e não se acanhe, peça para sentar na janela.
Fonte da imagem: http://gartic.uol.com.br/imgs/mural/iz/izaaaaaabela/livre_1297989451.png
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